Carpe Littera

Apreciem as palavras!

Paola olhava sempre a casa em frente. Parecia mais bonita que a sua, e maior. Mas para ela, não era isso o que interessava, e sim o garoto que ali vivia. Moreno, alto e marcado por uma forte característica de sua personalidade: sério.
Toda vez que ele passava pela sua janela, a moça dava um jeito de sorrir mais ou menos descaradamente, para que ele reparasse nela. Mas nada acontecia. Aliás, a mesma coisa acontecia: ele apenas a olhava, sério e indiferente, e continuava o seu caminho. O garoto adorava coletes e calças de guerra, tinha um alargador enorme na orelha esquerda, e outro de tamanho razoável na orelha direita.
Um dia Paola decidiu que iria falar com ele, a fim de dizer tudo o que estava encurralado em sua garganta: que tinha se apaixonado desde o primeiro dia que ela o viu, meses atrás, quando ele e sua família se mudaram para essa rua. Andou pouco, só dez passos curtos até a casa do garoto. E fez a mesma coisa durante três dias seguidos.
No primeiro dia, quem atendeu foi sua mãe. Magra, bonita, e alta, a recebeu com um sorriso:
- Você me parece familiar. Mora por aqui?
- Moro na casa em frente – disse Paola.
- Ah – o sorriso apagou-se um pouco, tornando-se meio gozador. – Com quem desejas falar?
- Então, eu queria falar com o garoto sério que mora aqui. Acho que é seu filho.
- Não há nenhum garoto sério morando aqui. – e fechou a porta. “Como não?” Pensou a garota. “Eu sempre o vejo entrando por essa porta. Essa mulher está de gozação comigo...”
No segundo dia, ela precisou bater cinco vezes na campanhinha, até que um idoso abriu a porta:
- Quem é você? Desculpe-me, mas minha visão já não é das melhores. Não te reconheço.
- É, acho que o senhor não me conhece. Eu moro na casa em frente.
- Na casa em frente? – ele gargalhou.
- É. E eu queria falar com o garoto sério que mora aqui.
- Não há nenhum garoto sério aqui não, menininha. – e assim como a mãe, bateu a porta da casa na cara da garota que, inconformada, decidiu tentar até que o próprio rapaz abrisse a porta.
No terceiro dia, o rapaz atendeu. Olhou-a daquele mesmo jeito sério. A menina falou tudo de uma vez para que não desistisse:
- Olha, eu posso estar parecendo uma louca por estar dizendo todas essas coisas, mas é que eu sempre te vejo passando e sinto umas coisas estranhas. Não sei, mas mesmo sem te conhecer, acho que me apaixonei por você. Se não é isso, eu não sei o que é.
O garoto olhou-a de baixo para cima, até chegar a seus olhos, tentando encontrar alguma coisa. Mas não como quem procurava um sentimento, e sim como um psiquiatra analisando um louco. Então disse:
- Você acha mesmo que eu sou um garoto? – suspendeu a blusa, revelando um quadril totalmente desenhado, na curva mais perfeita que uma mulher poderia ter, mas que não compensa nem um pouco sua falta de seios – Ou vai querer que eu abaixe as calças para poder acreditar?
Branca Paola foi até a casa do “garoto”, e vermelha voltou. Foi um dos momentos mais humilhantes que já viveu. Envergonhada demais para falar com seu pai que acabara de chegar do trabalho mais cedo do que de costume, subiu até o seu quarto e trancou-se. Ali mesma, jurou nunca mais olhar para a casa em frente.

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Em seu poema, Horácio escreveu: "Carpe diem", que significa aproveitar o momento, colher o dia. Carpe littera é a forma que nós, alunos do primeiro ano do Divina, encontramos para dizer: Apreciem as palavras!
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